Capítulo 2: O acidente


<10>




     Eu pude sentir uma lágrima escorrendo no meu rosto, ele vendo a minha situação, olhou fixamente para mim, abraçou-me, me suspendendo ao ar e disse:

-Me desculpe.

Aquelas simples, porém honestas palavras acalmaram-me mais rápido, do que leite com os cookies da Sr.ª Mariah. Pude sentir-me mais leve como um pássaro a planar. Ele me desceu ao chão e passou a mão em minha cabeça, assim que eu percebi que ele estava subindo, eu o chamei, pedi com a mais absoluta calma e serenidade, se ele poderia colocar minha cama em outra posição para que eu pudesse dormir, ele não me deu uma resposta apenas sorriu e estendeu a mão. Nos dois subimos juntos, ele entrou no meu quarto, olhando atentamente para aquela cama enorme, logo pediu que eu pegasse quatro panos de chão no porão. Não entendi o porquê, e nem fiz questão de perguntar, desci rapidamente para o primeiro andar dando de frente com a porta da cozinha, fiquei parada alguns instantes pensando nos momentos em que ela estara sendo quase derrubada. Quando notei alguns minutos haviam passado, corri o mais rápido que pude. Cheguei ao porão, a porta de madeira que bloqueava a entrada parecia que ia desabar a qualquer momento, como sempre não sei por que fiquei tão impressionada, no porão da


<11>




minha casa ficam os utensílios domésticos, como vassouras, rodos, baldes, panos, aspirador de pó e até máquina de lavar, então eu praticamente todo o dia entrava lá, mas eu acho que aquele abalo me traumatizou mais do que eu pensava. Abri a porta com calma, olhei firmemente tentando encontrar uma luz acesa, mas eu não tive tanta sorte, ainda porque o interruptor fica no final da escada. Coloquei a minha mão no corrimão, e fui descendo, o carpete que cobria o porão inteiro, paredes, teto e chão, parecia insetos se alastrando por todo meu corpo, com medo corri o que não foi uma boa idéia, pois quase rolei escada abaixo, mas no último segundo segurei firme no corrimão. Cheguei ao último degrau, naquela escuridão só conseguia sentir cada vez mais medo, procurei o interruptor com a mão, arrastando-a pela parede aveludada, e em um estado mais que desesperador o encontrei. A luz demorou a acender completamente, até então piscou várias e várias vezes. Colocando o pé no chão me senti mais segura, mais calma. Os panos de chão ficam dentro de uma caixa ao lado da máquina de lavar que por sua vez fica no canto do porão, andei até lá nas pontas dos pés com medo de algo que nem a minha mente sabera o que era, era algo abstrato,


<12>




indefinido. Chegando, retirei de cima da caixa um pano que eu havia colocado na manhã daquele mesmo dia, e joguei-o do lado da caixa, quando ele caiu, fixei bem os olhos não acreditava no que estava vendo, meu corpo congelou, minha pressão parecia que havia caído, sentia que ia desmaiar a qualquer momento, tentava gritar, mas por mais que eu tentasse a unica voz que eu emitia era a dos meus pensamentos. Fechei os olhos para ver se aquilo era real, o pano, aquele mesmo pano que eu joguei para o alto estara se mexendo, não andando ou se remexendo, estara como se respirasse ofegante, com os olhos ainda fechados pensei como aquilo poderia estar acontecendo. Abrindo os olhos, olhei firmemente para pano e assim pude perceber que não se tratava de um pano vivo ou algo parecido, havera algo debaixo dele. No momento que eu defini isso em minha mente, pude gritar, então como um reflexo gritei como uma louca, quando percebi o que estava fazendo me calei, tinha chegado a conclusão obvia de que era um rato, alias é comum haver ratos nesse porão, ainda mais porque existe um pequeno burraco na entrada de trás do porão. Com esse fato consumado por minha vontade inconsciente de lucidez meu medo logo se transformou em nojo e repulsa, assim que fixei novamente os olhos para tentar identificar se teria realmente a possibilidade do suposto pano vivo ser um rato, ouvi barulhos estrondosos pelo teto do porão, era meu pai descendo a escada possivelmente desesperado pelo grito que eu havia feito. Na mesma hora pensei no que ele iria dizer se eu dissesse que todo aquele escândalo fora causado por um rato, mas por outro lado se eu falasse


<13>




que não fora nada estaria me compromentendo a uma situação pior ainda. E como uma luz no fim do túnel tive uma idéia, assim que percebi que os sons bruscos produzidos por ele pararam, me preparei, já desesperado meu pai abriu a porta de modo anormal e monstruoso fazendo-a bater com força na parede aonde estava instalada, enquanto ouvia aquele barulho estupendamente forte já estava tremendo mais que o normal com o objetivo de contribuir com a minha idéia. Ele correu pela escada, e diferente de mim não houve um possível acidente, assim que desceu o ultimo degrau da escada já havia me preparado mental e emocionalmente. Chegando ao chão me perguntou o que havera acontecido, eu que já estava de costas para a escada a um bom tempo, virei-me e tremendo como nunca olhei fixamente para os olhos dele e disse com uma voz de medo e espanto:

-Tem algo naquele pano pai! Eu não sei o que é, mas ele esta se mexendo como se estivesse respirando. E...e...eu não sei explicar, estou com muito medo!

Meu plano era simples, apenas fingi estar com medo que era algo que não estara mais, e tratar o possível rato como um ser que eu ainda não havia definido, ou seja, como um pano vivo que respira ou o que ele imagina-se, o importante seria que ele achasse que na minha mente não fosse algo tão insignificante como um rato, e sim



<14>




algo que eu estava com medo apenas porque estava emocionalmente fraca por um motivo que ele mesmo havia criado a alguns momentos atrás, não podendo exclamar nada em relação a mim e ao meu grito. Resumindo ele poderia achar que fosse um rato ou o que fosse, que ele não exclamaria nada, pois se sentiria culpado. E pelo jeito meu plano funcionou, meu pai percebeu o meu pavor, foi em direção ao pano, agaichou devagar movimentando calmamente a cabeça em direção ao pano, e disse:

-Não se preocupe, é só mais um rato.

No momento que ele disse aquilo quase pulei de felicidade, meu plano realmente havia funcionado. Ele virou em minha direção, e novamente passou a mão em minha cabeça, e caminhou até a direção oposta a minha e a do rato ofegante e abriu uma pequena porta, na hora pensei o que poderia ele iria fazer ali. Naquela porta só havia rodos e vassouras, no mesmo instante eu me toquei, ele iria matar o rato. Minha repulsa me dominou, sentia calafrios por todo corpo, os pelos do me braço se arrepiaram, ele não estaria pensando em matar um rato na minha frente? Pois, para minha infelicidade era exatamente o que ele estava prestes a fazer, ele pegou uma das vassouras, foi em direção ao rato, chegando mais perto e ainda segurando a vassoura


<15>




com a mão direita ele andou mais devagar e novamente se abaixou lentamente posicionando a cabeça cada vez mais perto do pano com o intuito de ouvir melhor, com a cabeça perto o suficiente para escutar cada pequeno movimento de patas do animal ficou ali por alguns segundos. Depois de um tempo sentei-me no chão apoiando minhas costas na parede mais próxima, olhei para baixo e no exato momento em que olhei novamente para meu pai ele deu um pulo para trás com toda velocidade, no lugar onde eu estava não conseguia ouvir nem mais a respiração ofegante do rato quanto mais aquele barulho, mas pela maneira que ele reagiu provavelmente o rato ou o que estivesse debaixo daquele pano estara fazendo um barulho amedrontador, fiquei quieta fingindo meu medo que estava començando a se tornar real, enquanto ele como reflexo apunhalou com força a vassoura que havia caído, e no exato momento que a bateu no animal a luz começou a piscar do jeito que estara piscando quando a acendi, naquela transição de luz e falta de luz ouvi um barulho. Era um barulho agudo, que me fazia entender que o estivesse debaixo daquele pano estava sofrendo. A falta de luz estava dominando a presença dela, com poucos e rápidos feixes de luz só conseguia ver vultos que seriam as sombras do animal em movimento, com minha fenix de medo e o nojo que sentia só de imaginar aquela criatura nojenta subindo em mim, mas ao mesmo tempo com dó do pobre animal que continuava fazendo aqueles barulhos agonizantes de dor e sofrimento, segurei com força nos


<16>




curtos pelos do carpete e fechei os olhos, me consolando assim de que quando os abrisse a luz estaria acessa e que meu pai.... no exato momento que pensei nele a minha linha de consolo se partiu, percebi que tinha esquecido da presença dele naquela situação. Abri os olhos rapidamente, só que infelizmente não conseguia ver nada, porque dessa vez no final das piscadas continuas de luz a lâmpada havia se apagado completamente. Desesperada não podendo ver nada, chamei meu pai, e finalmente algo acontece para minha felicidade, ele me respondeu:


-Vou pegar uma lanterna para que possamos ver, e uma lâmpada nova para trocar por essa queimada, fique ai e tente encontrar a escada.

Terminando de dizer isso, os sons da escada que não parava de ranger fizeram com que eu reconhecesse que meu pai já estava subindo-a. Um clarão, seguido do desaparecimento quase total dele representava que meu pai havia aberto e encostado a porta. O pequeno feixe que restava da luz do primeiro andar não ajudava em nada, pois ele ficava do lado oposto da onde estava a escada, mesmo assim no lugar onde eu estava, conseguiria ir até ela e pega-la no escuro, mas não queria em hipótese nenhuma que o rato subisse em mim,ou pior, que eu pisasse nele, então ainda sentada gritei:

-Não consigo encontrar, quando você encontrar a lanterna jogue ela aqui em baixo.


<17>





Fiquei atenta, mas não ouvi nenhuma resposta. Contentando-me do fato que eu teria que encontrar aquela escada na escuridão, o pequeno feixe de luz amarelo aumentou e dele saiu uma das mãos do meu pai jogando a lanterna, ela caiu no meio da escadaria, enquanto rolava degraus abaixo meu pai gritou com um tom meio desesperado:


-Você sabe onde está a lâmpada que eu comprei semana passada? Não a encontro em lugar nenhum.

Ainda sentada e segurando firmemente no carpete, gritei que não sabia, e realmente não tinha idéia de onde poderia estar já que foi ele mesmo quem a guardou. Assim que a lanterna caiu no carpete macio ela se acendeu na direção em que estava o objeto da minha procura, mas mesmo assim não foi possivel a minha percepição dele. Assoprei alguns fios do meu cabelo que estavam em meu rosto, e fui me arrastando lentamente até a lanterna, que felizmente não estava muito longe. Assim que a peguei, me levantei e a direcionei a todos os cantos a procura de me esquivar do pequeno rato que em algum lugar havia se escondido, não fui bem sucedida na minha procura, nenhum rastro, nenhum barulho, nenhum som, nada.


<18>




Um pouco mais segura, mas ainda receosa andei lentamente, pausando freqüentemente e direcionando a luz amarelada da lanterna em todos os cantos possíveis, se ele ainda estivesse em algum lugar daquele porão eu certamente ouviria aquele barulho agudo que ainda não havia sido identificado por mim e que me fazia sentir dó do indefeso, porém nojento animal. Apressando meus curtos e poucos passos após cada parada frenética, me sentia cada vez mais feliz por não perceber sinal do animal. Mas, minha felicidade não durou muito tempo, de frente para o que tinha vindo encontrar, e com as minhas mãos tremendo por um sentimento indescritível, ouvi o som agudo, estava mais próxima do que fosse aquilo, pensava que estava sendo uma tola de ter tantos sentimentos misturados e em colisão por algo tão banal como um rato. Em um ato de desespero segurei firmemente a lanterna e rapidamente direcionei-a em todas as direções ao meu alcance, varias coisas apareciam em minha frente, garrafas de vidro empilhadas, uma poltrona velha, um aspirador de pó, cada objeto que eu encontrava era seguido de ansiedade, medo e duvida que me proporcionavam um sentimento cada vez maior de delírio. Podia ouvir o timbre do rato se movimentar a minha volta, quanto mais o perseguia mais percebia que em nada resultaria, quando finalmente percebi que o movimento repentino e desesperador do animal não passava da minha própria mente desesperada procurando-o,


<19>




 
ainda de frente a escada metálica, a puxei do chão com força segurando-a com as duas mãos. "Toda essa situação já está ficando ridícula", pensei enquanto levantava a escada e virava para o lado direito. Um som... o som... o mesmo som que me perseguia foi produzido assim que levantem o desejado objeto, com medo ou seja o que eu estivesse sentindo larguei a escada que ainda estava suspensa por mim e a lanterna que ainda estava na minha mão direita, e ambos fizeram um barulho abafado graças ao carpete, o barulho produzido pelo animal de pausado passou a ser continuo. O aquilo fosse, levou um susto. "Esse barulho não é de rato, seria algo mais como um...." meu raciocinio foi interrompido por mais um barulho agudo, ainda de lado não querendo por hipótese nenhuma me mexer, pois a lanterna havia caído e se desligado na queda, abaixei lentamente procurando-a, esfregava minhas mãos pelo carpete peludo me fazendo sentir mais tensão, enquanto o barulho se tornava pausado novamente.Na escuridão quase total, pois o outro lado do porão permanecia sobre o pequeno feixe vindo da porta entreaberta, me mexi lentamente para esquerda ainda agachada e arrastando as mãos pelo carpete. Quando encontrei algo, mais peludo que o carpete e estranhamente molhado, fechei os olhos mesmo sabendo que não faria diferença. Entrei em pânico, mesmo assim permanecia com a mão esquerda que parecia não se mexer mais no oque eu havia encontrado, enquanto continuava procurando a lanterna com a outra.


<20>






Depois de poucos segundos achei a lanterna, ainda com os olhos fechados e com a mão esquerda paralisada me fazendo sentir um formigamento estranho criado pelo meu medo que passou a ser totalmente real, cliquei varias vezes no botão da lanterna e abri os olhos, mas nenhuma luz saia dela, cliquei novamente, mas de novo nada. Larguei a lanterna no chão. O tão esperado silencio ao em vez de me deixar mais calma me deixava cada vez mais nervosa, “O que estou tocando?” pensei apreensiva, mesmo com a mão formigando ainda sentia o liquido escorrendo por ela. Fechei os olhos novamente por medo, meu corpo se estremecia, isso já havia se passado pela minha cabeça varias vezes “ Eu estou tocando no rato?", mas dessa vez complementei "Se estou, então esse liquido é...” novamente fui interrompida, mas dessa vez foi por uma luz extramamente forte, abri os olhos e olhei diretamente para a parede que estava totalmente verde, demorei alguns segundos para perceber que a luz que era verde e não a parede, rapidamente virei para a lanterna caida no chão, mas estava apagada e estranhamente o foco da luz parecia estar seguindo a minha visão. Olhando novamente para a parede, e com uma das mãos ainda imovel direcionei a mão direita na frente do meu olho e ela estava completamente verde também, a luz vinha de mim, mais precisamente dos meus olhos. Fechei os olhos e balancei a cabeça, estava em um estado tão deseperador que seguia a vontade sem o minimo senso do meu


 <21>




inconsciente, quando os abri olhos, estava olhando para a minha mão dormente, mas para o meu desespero maior o que eu estava tocando era sim um animal, porém não um rato, e sim um pequenino filhote de cachorro, um pequeno shitsu de menos de dois meses dos vizinhos do lado opsoto da Sr. Mariah os Jonsons, chamado Sam. Sam ou Samuka era o cachorro bricalhão dos vizinhos que de vez enquando fugia, mas nunca fora tão longe a ponto de sair do quintal da casa, ele provavelmente passou pelo burraco na porta, o mesmo burraco que os ratos entravam pela parte de trás da minha casa e entrado, mas o fato que me corroia a mente é que mesmo Samuka sendo um filhote ainda era maior que um rato e concerteza maior do que oque estara debaixo daquele pano. "Como isso?" pensei olhando para o cachorro, ele estava deitado com os olhos fechados e abanando o rabo como se estivesse recebendo carinho, não conseguia entender. Finalmente a formigação da minha mão parou, eu a levantei, mas antes que eu a tirasse totalmente o cachorro fez um barulho unico, rapido e não tão agudo como o de antes, retirei a mão lentamente antes de tira-la completamente percebi que o liquido não existia mais, voltei a segurar o cachorro firmemente procurando algo molhado, porém também não encontrei nada. Tirando a minha mão completamente verde do animal senti algo na ponta dos meus dedos, algo quente e que se movia, mas que não chegava a encostar neles, levando um susto conjuntamente a indagação de algo sem nexo e sem resposta, tirei a mão rapidamente, o cachorro fez o mesmo barulho e olhou para mim, olhei para as pontas dos meus dedos e em cada dedo uma pequena bolinha de luz verde girava e em volta dela uma outra bolinha menor ainda girava em volta da maior em um rumo imprevisivel. No mesmo momento a minha visão ficou cada vez menos nitida, minha pessão abaixou, todas as luzes que vinham de mim apagaram, " Essa é a vida real?" veio na minha mente como o meu ultimo pensamento consciente.


SPEECHLESS - O OUTRO MUNDO / © COPY RIGHT