Capítulo 1: A vida de Clair

                     
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      Meu nome é Clair Mashitch, moro em uma pequena cidade no interior do estado de Minnesota, Lightville. Tenho quinze anos, estudo na única escola colegial da cidade, Firefly High School, um nome bem interessante julgando-o perante o da cidade. Não é que eu não goste da cidade, apenas a acho muito entediante, sem contar o fato, de que ela sempre tem o mesmo clima nublado meio úmido para chuvoso, e no inverno inteiro só neva... São raros os momentos que faz sol aqui, bem diferente do clima de calor intenso que estou acostumada na Florida. Mudei-me há dois anos, não sou uma daquelas meninas reservadas ou sérias muito menos um crânio ambulante, apenas sei o que sei, e vivo com essa condição. Considero-me uma menina normal, tenho amigas, inimigas, amores, paixões, e temores... Agora, sobre a minha historia tenho muito a contar, vou fazer dezesseis anos esta semana, pra ser mais exata amanhã. Minhas amigas, Stefanni, Tiffane, e meu amigo Tomas, estão montando uma festa surpresa, eu já havia descoberto há alguns dias, mas claro que eu disfarcei, a única dúvida que resta é, que expressão eu farei na hora da surpresa, mas isso não é um grande problema, na hora eu invento algo. Stefanni, minha melhor amiga, é uma menina fácil de ser reconhecida em Lightville, não só pelo fato dela conhecer boa parte das pessoas da cidade, é também porque ela é umas das únicas loiras com pele extremamente branca, o fato é que loiras existem aos grupos aqui como em qualquer lugar, mas ela é um pouco singular.


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Na realidade comparada às pessoas da cidade ela é praticamente um fantasma, o que para mim é um fato meio estranho, pois de acordo com muitos filmes que eu assisti em lugares assim, todas as pessoas tem a pele como a dela, mas por incrível que pareça se você olhar para uma pessoa de Lightville você acha que ela acabou de sair de uma praia em Orlando. A pele de Stefanni pode ser comparada com a cor de uma folha de papel ou a cor do leite, ela também tem os olhos verdes e algumas sardas no rosto, sempre com as melhores roupas comparadas as minhas, eu a considero linda. Nós nos conhecemos no primeiro dia que eu entrei no colegial, mas não como uma amiga, na época era justamente o oposto. Eu era uma menina totalmente tímida, aliás não conhecia ninguém. Ela andava, com as mais belas, mimadas e chatas, aquelas que eu denominei como inimigas, Marcy “a líder,” e Anna, Jossy e Stefanni “as seguidoras”, pareciam um bando de cachorros seguindo seu dono. Elas simplesmente achavam-se donas de tudo e de todos, só porque tinham uma mãe ou um pai rico se achavam superiores. Nos primeiros dias não suportava qualquer uma delas, apenas achava que se alguém é capaz ser praticamente uma apóstola de uma pessoa como Marcy, não seria pior que ela. Mas essa minha idéia mudou com o tempo, percebi que Stefanni demonstrava sinais de que não


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gostava do jeito que ela mesma era submetida a tratar as pessoas que Marcy denominava como idiotas, bestas, feias, lesadas, gordas, enfim uma infinidade de apelidos que se achava no direito de destinar a pessoa que deseja-se, todo dia percebia que Stefanni expressava pequenos sinais de desapontamento, angustia e pena que cresciam em consequência ao número de “vítimas” humilhadas, mas será que eram sinais ou eram apenas algo que eu estava interpretando errado? Essa era uma duvida que permanecia em minha mente por mais ou menos uns três dias depois que entrei na escola. Até que um dia eu tive certeza que esses sinais eram reais, só que dessa vez não foi um pequeno detalhe na expressão de sua face que subliminarmente me levou a essa conclusão, foi algo maior, totalmente revelador. Acho que Stafanni simplesmente se cansou, acho que ela decidiu de uma vez por todas de que aquilo não era ela, após ter defendido um calouro, Marcy e Stefanni tiveram uma briga sonora cheia de humilhações e revelações, brevemente assim como dois capachos obrigados a fazer o que o mestre diz, Anna e Jossy entraram na poluição de informações, as três contra a Stefani e como esperado Stefanni perdeu. Totalmente arrasada e humilhada, ela saiu correndo. Eu vendo a situação, e também por estar um pouco quanto desesperada para fazer amigas, resolvi falar com Stefanni, fui para o banheiro feminino, onde ela estava. Quando entrei, ela estava


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chorando de um jeito que eu acho que até ela mesma se surpreendia, bufava e chorava tanto que parecia que iria parar de respirar a qualquer momento, perguntei o que havia lhe acontecido, como se eu já não soubesse, mas tive que disfarçar... Assim, fui conversando com Stefanni, fui consolando-a, até que ela se acalmou. Desde então, nós sempre fomos amigas, claro com algumas mínimas e rápidas desavenças, mas isso é normal entre melhores amigas. Agora, Tiffane, eu conheci há pouco tempo, ela tinha chegado à cidade recentemente, e assim como eu no início ela estava sem amigos, então eu e Stefanni resolvemos sentar com ela depois da aula, na hora o almoço. Ela estava num arquipélago de mesas, em uma daquelas ilhas mais distantes e isoladas, a primeira vez que conversamos, nós a achamos um tanto quanto... como eu posso dizer?! Excêntrica, não... esquisita mesmo. Mas, com o tempo nós fomos nos acostumado. Tiffane é uma pessoa meio tímida, super inteligente, e também super viciada em séries do tipo Lost e Heroes. E filmes de ficção científica como Star Wars e Star Trek, entre vários outros. Assim como eu e a maioria das pessoas aqui, ela é parda. Ela tem os olhos negros como a noite, e cabelos castanhos, usa aparelho, um pouco fora do peso para ser sincera. Agora, Tomas é simplesmente o meu Romeu, a minha paixão mais velada e platônica.


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Ele é o irmão um pouco mais velho de Stefanni. Então assim como ela, ele tem uma pele extremamente branca, mas com o cabelo negro e liso. Ele é capitão do time de natação da nossa escola. Stefanni era líder de torcida, mas desitiu, pois lá haviam entrado Marcy, Anna e Jossy, digamos que ela prefere evitar confusão. Hoje foi um dia simplesmente ótimo, tudo bem que meus amigos estão me isolado um pouco, mas digamos que seja por uma boa causa. Estou tentando evitar sair de casa pra não encontrar de cara com ninguém com material de festa, ou qualquer coisa do tipo. No momento eu já sei quase tudo, vamos dizer apenas que eles não são bons em guardar segredos, muito menos em falar baixo, eu praticamente já sei quem vai, e onde vai ser. Será na casa da Stefanni, o que é uma coisa maravilhosa, não que eu já tenha entrado na casa, até hoje só vi o exterior lindo e luxuoso, mas pelo o que falaram é mais linda ainda por dentro. Já são dez horas da noite e eu só consigo pensar nessa festa. Será que todos os convidados vão? Aliás como eu queria não vão muitos. Quem será que está arrumando a festa? Como será que é a casa da Stefanni por dentro? Com que roupa eu vou? Eu não posso simplesmente chegar com um vestido. Mas eu também não vou pra a festa de calça jeans e camiseta.


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Resumindo todas essa perguntas e afirmações vinham na minha mente como bombas de ansiedade e de dúvida. Eu olhava para cima o teto girava só conseguia ver borrões marrons, que eram o teto, e cor de laranja provavelmente o reflexo das luzes da rua, que naquele momento eram a únicas luzes que iluminavam meu quarto e principalmente meu rosto. A minha cama fica bem de frente para uma janela de vidro que aparentemente tem cortina, mas esta emperrada ou algo parecido. Achando que eram as luzes lá fora que não estavam me deixando dormir, tentei mover a cama, mas não sou tão forte assim, pensei em ver se meu pai já havia chegado do seu trabalho, então sai correndo a sua procura, desesperada para poder dormir. Meu quarto fica no segundo andar, e o do meu pai também, para ser sincera fica um de frente para o outro. Entrei, não havia absoluto sinal de vida, desci para beber um copo de água ou um copo de leite, o que me acalmasse mais rápido. Nem fiz questão de acender a luz, assim que abri a geladeira ouvi um ruído, poderia ser de esquilos ou até mesmo de galhos, não conseguia definir muito bem, o som estava muito distante. Aliás, estava tão preocupada com a festa de amanhã, que isso era uma molécula em forma de barulho, resumindo totalmente insignificante. Então resolvi tomar um copo de leite e comer alguns cookies que a Srª Mariah havia feito para mim.


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Sr.ª Mariah é a vizinha do lado direito, sentido a escola, então todo o dia eu vejo ela e seu cão Romzq, um cão salsicha, até hoje me pergunto da onde ela tirou esse nome. Sr.ª Mariah é uma senhora de quase setenta anos de idade, e que está sempre de bom humor, quando ela faz tortas , bolos, ou até mesmo cookies, que esse seria o caso, ela faz questão de me dar um pouco. Ela é um doce em forma de pessoa. Peguei o leite, esquentei-o no forno microondas, achei os coockies da Sr.ª Mariah e sentei-me. Só conseguia sentir o sono chegando e os pensamentos diversos cessando, no mais absoluto silêncio percebi que aquele barulho, que era tão insignificante ao ponto de eu não ligar estara sendo abafado pelos meus pensamentos contínuos, pois agora eu conseguia ouví-lo, sentia que ele estava aumentando cada vez mais, eu conseguia ouví-lo se movimentando pela grama, amassando as folhas secas, chegando cada vez mais e mais perto. Quando ele simplesmente parou. Eu que já estava totalmente desesperada pensando no que poderia ser, me acalmei. No momento que eu ia me acalmando pude sentir-me mais lúcida, então cheguei à conclusão mais simples possível, a de que seria um animal, um rato, ou até mesmo um esquilo como eu já havia imaginado, assim terminei de comer tranquilamente. Acabando, virei-me, fui em direção a escadaria, quando subi o primeiro degrau, a porta da cozinha


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começou a fazer um barulho forte e bruto, como se alguma coisa estivesse querendo arrombá-la, fiquei desesperada, minhas mãos começaram a suar de modo inesperado e contínuo. E se fosse um ladrão?! Só conseguia pensar em como fugir, a porta da frente estava quebrada, não havia mais jeito de abrir, as janelas do primeiro andar eram todas estreitas, eu não conseguiria passar nem se eu tivesse vinte quilos a menos, e eu nunca conseguiria pular de algumas das janelas do segundo andar e continuar com vida. Enquanto isso além dos meus pensamentos eu só ouvia as batidas bruscas na porta. Nervosa novamente, fiz a coisa mais corajosa e irracional que eu poderia fazer no momento, com a cozinha iluminada apenas com a luzes que passavam pelas estreitíssimas janelas, corri para cozinha, e peguei a primeira panela que eu vi na minha frente, peguei uma cadeira, a coloquei do lado oposto da onde a porta se abre, com as mãos suadas de nervosismo, subi na cadeira, e ali fiquei esperando o provável assaltante abrir a porta. Nessas condições pude ouvir algo além das batidas, um som que estara sendo abafado pelas batidas bruscas, mais perto da porta pude ouvir um leve som metálico, que não parava e parecia seguir uma ordem em relação às batidas. Nessas condições óbvias, desci da cadeira, coloquei a panela em cima da mesa e fui abrir a porta.


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Abri a porta tendo quase certeza que era meu pai, mas com uma ponta de falta de ingenuidade ao mesmo tempo, a porta rangeu de um modo que nunca rangera antes, ao mesmo tempo em que ouvia aquele barulho agonizante sentia um arrepio que ia da ponta do meu nariz a ponta dos meus pés. E para minha felicidade, realmente era o meu pai William Mashitch, aos mais íntimos apenas Sr. Will, ele é alto, tem certo porte, possui cabelos encaracolados, diferente dos meus, que são lisos. Ele tem um pouquinho de sardas no rosto assim como Stefanni e eu. Trabalha em uma pequena fábrica de laticínios que não possui muitos recursos tecnológicos, ele normalmente chega às nove horas da noite, assim me perguntei por que logo hoje teria de ser um dia diferente? Depois que abri a porta completamente, me sentia um pouco mais racional, mas pelo jeito não o suficiente, pois nesse momento eu gritei:

-Você está louco, bater a porta dessa maneira como se quisesse quebrá-la? Você por acaso pensou em tocar a campainha, antes de fazer esse escândalo todo? E se alguém na vizinhança ligou para policia, pensando que você fosse um ladrão? Agora o que você acha que os vizinhos estão pensando?

Eu o indagava de um modo totalmente desesperado, mas eu só gritava daquela maneira para poder relaxar, expor os meus medos.

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